Por Fernando Oriente
Em seu novo longa, Assayas recupera um pouco a força que tinha perdido em ‘Depois de Maio’, seu irregular trabalho anterior. Em ‘Acima das Nuvens’ temos novamente a encenação visceral do diretor francês, sempre com uma câmera inquieta e uma decupagem ágil. A intensidade narrativa e a carga dramática do filme se relacionam o tempo todo com uma sobreposição entre o tempo presente dos personagens e suas ações e a relação que eles mantêm com o passado e o que trazem desse passado, num jogo entre tempos distintos em que o processo de envelhecer (amadurecer) e encarar as marcas do que foi vivido (e deixado de viver) implica em escolhas e enfrentamentos num presente incerto cujas certezas são postas em dúvida por sensações de incompletude e uma falsa estabilidade emocional.
Esses conflitos são colocados por Assayas dentro da relação entre as cenas que vemos na tela e o peso que o extracampo traz (sejam as memórias, as relações mal resolvidas, as imaturidades e o medo de envelhecer da personagem de Juliette Binoche; bem como o que o diretor apenas sugere, deixando a complexidades dos tipos ainda mais abertas). No filme, a atriz interpretada por Binoche aceita participar de uma peça que fez quando tinha 18 anos. Só que dessa vez, ela interpretará a personagem mais velha do texto (uma mulher de 40 e poucos anos que se destrói por amor e obsessão por uma jovem que a seduz). Aqui Assayas faz da relação da protagonista com as duas mulheres da peça uma projeção sobre suas texturas emocionais: ela é as duas ao mesmo tempo, uma se projeta na outra, e a vivência da personagem de Binoche faz com que sua relação com as duas protagonistas ganhe novos contornos constantemente e se projetem sobre o momento em que vive.
Não esperem de ‘Acima das Nuvens’ um filme da grandeza de outros trabalhos de Assayas, como os ótimos ‘Água Fria’ (1994), ‘Irma Vep’ (1996) e ‘Clean’ (2004), entre outros. Desde meados da primeira década dos anos 2000, o diretor parece ter optado por filmes mais contidos, em que arrisca menos e garante de forma segura (e cômoda) uma qualidade razoável para manter seu cinema acima da média do que se produz hoje. Seus longas continuam bons, muitas vezes irregulares, mas sempre interessantes de se assistir. A sensação que Assayas transmite é de um realizador consciente de seu talento, que aborda temas complexos que consegue desenvolver bem, mas que acaba por fazer concessões em relação a uma dramaturgia mais tímida e convencional (que as vezes flerta de maneira perigosa com o cinema publicitário – caso de ‘Depois de Maio’), em que a força da mise-en-scéne de seus melhores trabalhos dá lugar a uma acomodação apaziguadora que evita os arroubos de encenação pasteuriza as texturas dos dramas para acomodar tudo de maneira mais fácil para ser assimilado por um público mais conservador e genérico.
De volta a ‘Acima das Nuvens’ é interessante notar que Assayas, ao fazer Binoche ensaiar a peça com sua jovem assistente vivida por Kristen Stewart (muito bem no papel), faz a relação entre as personagens da ficção e da vida real se sobreporem e muitos conflitos são sugeridos a partir daí, mas Assayas também os mantém no fora de quadro, seja por elipses ou por cortes bruscos.
Ao lerem o texto, Binoche e Stewart projetam as relações ficcionais do texto no cotidiano em que vivem (na vida real), e as relações de poder que estão na peça são subvertidas em um jogo em que dominadora e dominada invertem papéis. Mas o grande mérito de Assayas é compor toda essa dramaturgia densa de uma maneira sugestiva, evitando excessos emocionais e indicando caminhos muito mais do que os explicitando. A presença sempre ótima de Binoche em cena aumenta a força do filme. Não é o melhor Assayas, mas ‘Acima das Nuvens’ está dentro da lista de bons filmes assinados pelo diretor.