Por Fernando Oriente
Ao longo dos próximos meses teremos três estreias de peso no circuito cinematográfico, pelo menos em São Paulo e no Rio. Três filmes bem diferentes entre si em quase tudo, mas com um fator fundamental em comum: um trabalho notável de mise-en-scène. ‘Riocorrente’, de Paulo Sacramento, ‘A Imigrante’, de James Gray e ‘Expresso do Amanhã’, infeliz título brasileiro para ‘Snowpiercer’ do sul-coreano Bong Joon-Ho.
‘Riocorrente’, de Paulo Sacramento
Paulo Sacramento chega ao seu primeiro longa de ficção depois de ter assinado a direção do documentário ‘O Prisioneiro da Grade de Ferro’ (2003), um dos melhores filmes brasileiros das últimas décadas. Sacramento tem no currículo um trabalho primoroso como montador e produtor. Ou seja, apesar da juventude, ele já é um nome de peso dentro do bom cinema praticado no país.
‘Riocorrente’ é um murro na cara do espectador. Um filme denso ao extremo, construído em cima de uma tensão extrema e sensorial, potencializada pela força e o vigor da encenação de Sacramento, do trabalho ímpar de fotografia do saudoso Aloysio Raulino e de uma montagem asfixiante.
Atualíssimo, ‘Riocorrente’ usa a cidade de São Paulo como personagem, agente encadeador dos dramas e cenário labiríntico e repressivo, Os três personagens principais, mais o menino de rua (talvez o mais importante dos tipos dramáticos), têm suas histórias e tormentos interligados e dilatados dentro de um espaço claustrofóbico de uma cidade em constante ameaça de ebulição. Para o público paulistano, em especial, ‘Riocorrente’ dialoga diretamente com as vísceras.
‘A Imigrante’, de James Gray
James Gray é, provavelmente, o melhor cineasta norte-americano surgido nos últimos vinte anos. Seus longas anteriores, ‘The Yards’ (2000), ‘Os Donos da Noite’ (2007) e ‘Amantes’, (2008) estão entre os grandes lançamentos dos anos 2000.
Em ‘A Imigrante’, temos mais uma vez o primoroso trabalho de encenação, composição de quadro e construção de planos tão típicos do cinema de Gray, que por meio desses recursos encena seus dramas em um nível de intensidade raramente atingido no cinema. Em seu novo filme, essa densidade dramática interage de maneira enfática com os fortes elementos de melodrama presentes na matéria constitutiva do longa.
Os personagens de James Gray são trabalhados minuciosamente em relação à exploração e desnudamento de suas muitas camadas dramáticas. A relação entre os tipos com o ambiente que os cercam é sempre um destaque a parte nos filmes do diretor. ‘A Imigrante’ é uma comprovação desse enorme talento de Gray e já está, tranquilamente, garantido na lista dos melhores filmes lançados no cinema nesse ano de 2014.
‘Expresso do Amanhã’, de Bong Joon-Ho
Se em ‘Memórias de um Assassino’ (2003), Bong Joon-Ho já mostrava seu talento mesmo em um filme limitado, foi com ‘O Hospedeiro’ (2006) e ‘Mother’ (2009) que o cineasta deixou claro que é o melhor diretor dentre todos os badalados realizadores de cinema de gênero surgidos na Coréia do Sul nos últimos anos. É muito importante deixar bem claro que o cinema de Bong é muito diferente do feito pelo melhor cineasta sul-coreano de todos, o genial Hong Sang-Soo.
‘Expresso do Amanhã’ é a primeira produção internacional assinada por Bong. Com atores americanos, ingleses e coreanos, falado em inglês e baseado em uma história em quadrinhos francesa, o filme é uma ficção científica pós-apocalipse, encenada quase que exclusivamente dentro de um trem.
Aqui temos a capacidade de imprimir ritmo, tensão ininterrupta e evolução precisa da narrativa de Bong Joon-Ho. Tudo isso por meio de uma mise-en-scène vigorosa e um cuidado em imprimir densidade e função dramática para a relação entre os tipos em meio a situações extremas.
Em ‘Expresso do Amanhã’, Bong usa a limitação dos espaços a seu favor para compor a geometria, o ritmo e a visceralidade das ações. Existem usos muito bons do foco, da profundidade de campo e do slow-motion. O longa é um thriller vigoroso cheio de referências e citações e um dos melhores filmes de ação dos últimos tempos.
‘O Que Terá Acontecido a Baby Jane’, de Robert Aldrich, 1962
Já que esse texto foi sobre três belos trabalhos de encenação, nada melhor do que acrescentar breves comentários sobre um dos principais filmes de um dos maiores encenadores da história do cinema, Robert Aldrich.
Em ‘O Que Terá Acontecido a Baby Jane’, de 1962, Aldrich parte de um drama psicológico e um embate entre duas personagens (vividas por duas grandes atrizes: Bette Davis e Joan Crawford) e atinge um nível de tensão que insere o filme dentro do terror psicológico.
Aldrich constrói a força do filme por meio da composição de quadros, do posicionamento de câmera e da intensidade dramática que imprime em cada cena. ‘O Que Terá Acontecido a Baby Jane’ é um dos mais primorosos estudos sobre o ressentimento, a inveja, a crueldade e o fracasso.
O cinema de Aldrich, com sua intensidade dramática, sua aproximação dos conflitos a da crueldade humana o aproximam muito de outros dois grandes autores do cinema mundial, Samuel Fuller e Nicholas Ray.
Cada um dos quatro filmes desse texto merece uma crítica extensa e profunda. Aqui temos apenas uma pequena e breve aproximação a eles. Material de primeira para futuras publicações do blog.