9º Olhar de Cinema: Breves (e outros não tão breves) comentários sobre alguns dos filmes exibidos na edição online de 2020

‘Luz nos Trópicos’, de Paula Gaitán

O longa de Paula atinge e supera toda a enorme ambição do projeto. Só se pode realmente escrever algo sólido sobre esse filme único se a ele se retornar. Por aqui, apenas algumas observações.

Impressiona a liberdade da câmera da diretora, que explora todas as possibilidades indiciais da imagem. Imagens que se pautam e constroem numa observação sensual, sensorial e poética dos espaços (da natureza viva  e quente da região pantaneira do Xingu aos espaços urbanos de concreto, aço, asfalto e vidro de Nova Iorque, bem como ambientes naturais gelados de rios, lagos e bosques no interior dos EUA).

A liberdade discursiva do filme se desdobra constantemente, seguindo os fluxos das águas dos rios que cruzam o continente americano, desde o frio estadunidense ao calor dos trópicos do Xingu. A câmera da Paula não se impõem limites ou regras, registra tudo de todas as formas e sempre em função da luz – dos espaços abertos onde personagens transitam aos detalhes de corpos, objetos, plantas, águas, animais, ruas, casas e prédios. Natureza e civilização.

A questão do pertencimento aos espaços e à natureza em que os personagens (europeus, estadunidenses, mestiços brasileiros, indígenas) se encontram e na qual se fundem, se perdem ou se encontram é central na relação que diretora constrói entre os corpos e os ambientes que acolhem esses sujeitos . Só as comunidades indígenas apresentam uma real comunhão entre seus seres com a Natureza onde vivem.

Os rios que conduzem sujeitos desterrados a diferentes locais geográficos são os mesmos rios que ligam diferentes tempos históricos, diferentes povos, diferentes culturas. A transitoriedade do ser humano em constante contraste com a continuidade e a permanência da Natureza.

Os dois fios narrativos que conduzem a primeira metade do filme são interrompidos, quando um personagem (presente na segunda narrativa: a expedição de europeus à região do Pantanal no século XIX) atravessa o tempo e se funde ao presente dos dias de hoje no qual retornou o desterrado em busca de sua ancestralidade indígena, personagem da primeira narrativa que abre ‘Luz nos Trópicos’.

A segunda metade do longa é um exercício brilhante de montagem livre que paralelamente intercala registros de personagens deslocados e em permanente movimento na metrópole americana e nos espaços de natureza gelada do hemisfério norte com cenas do Pantanal, de comunidades indígenas do Xingu, bem como introduz cenas alegóricas e situações oníricas.

Distintos registros – digital, super 8, 16mm, fotografias, pinturas, desenhos e imagens de arquivo (cenas do primeiro longa de Paula Gaitán, ‘Uaká’, filmado no Xingu em 1987) – são intercalados com textos em voz over, em diferentes idiomas, que penetram a cena e ampliam seu espalho diegético-temporal.

A montagem da banda sonora é tão potente quanto as imagens – sons, ruídos, vozes, textos, cantos e música que constantemente dialogam e interagem dialeticamente com o campo imagético e remetem ao enorme extracampo que o filme não para, em momento algum, de tensionar.

‘Luz nos Trópicos’ é um filme que se dá ao olhar e à escuta como matéria heterogênea, com camadas e mais camadas de sobreposições espaciais, temporais, visuais e sonoras. Mas, ao mesmo tempo, é um longa em que o fazer cinema, o construir do cinemático como processo criador está presente em cada plano e vai além do filme após o termino da projeção – uma constante presença do cinema como processo, como devir imagem-som que se dá no filme como matéria e se prolonga no espectador durante o ato de assistir e depois como memória ativa daquilo que foi visto e ouvido.

Um filme que usa todas as possibilidades do cinema para criar uma experiência inclassificável e incontornável de imagens e sons belíssimos e alternâncias constantes – espaciais, temporais e materiais – de ritmo e fruição. Mais um filme extraordinário de Paula Gaitán.

‘Los Conductos’, de Camilo Restrepo

O primeiro longa do colombiano Restrepo, filmado em 16mm, é um filme impressionante, desconcertante, que desestabiliza, provoca e instiga o olhar a cada cena.

Uma construção formal e discursiva que penetra a realidade colombiana pelas fissuras, pelo que não é dado de imediato, pelo que que está na imagem e por tudo o que está além das imagens – em tudo aquilo que essas imagens são incapazes de dar e representar.

Uma força impressionante surge dos cortes secos, que unem planos sintéticos de registros realistas que materializam as ações na superfície da tela – achatando sempre a profundidade de campo e trazendo, por meio de fragmentos, uma recriação direta e seca da  realidade dos marginalizados, explorados e excluídos que vivem nos cantos, nas periferias e nos escombros de uma Medelín caótica.

Mas o registro realista é insuficiente para o painel que Restrepo quer criar do cotidiano colombiano, por isso chega um momento em que o filme abandona o realismo e passa a sequências alegóricas – num misto entre o onírico e o simbólico que representam e ultrapassam a realidade dada. Essas cenas também se dão em planos curtos unidos pelos mesmos potentes cortes secos. O filme todo é pontuado pela narração em off dos dois personagens centrais e em suas falas, lembranças e relatos estão presentes tanto os comentários diretos sobre o real recriado nas imagens que compõem a maior parte do filme, quanto as simbologias e metáforas presentes nas sequências alegóricas finais.

Todo esse processo de construção híbrido e aberto do discurso de ‘Los Conductos’ interagem de maneira sensorial e disruptiva com o espectador e projeta uma percepção de um universo que se dá nas imagens mas que vai muito além delas.

Um dos grandes filmes do ano.

‘O Ano do Descobrimento’, de Luis López Carrasco

O filme, do cineasta espanhol Carrasco, tem como tema central o Trabalho. Coisa rara no cinema de hoje.

Toda a impressionante construção do discurso do longa é baseada nas falas, seja nos diálogos, seja nos depoimentos. Um painel amplo sobre as transformações impostas à classe trabalhadora nos últimos 45 anos. A perda da estabilidade, o crescimento vertiginoso do desemprego e dos subempregos, a intensificação da exploração do trabalho vivo. A sujeição completa da Espanha ao poder central da União Europeia, com a Alemanha (e seus aliados mais fortes como a França) comandando os destinos de toda nação espanhola.

O quadro dividido ao meio em duas janelas simultâneas, uma decisão formal poderosa que amplifica a sensação de ruptura do tecido social e torna ainda mais forte o sentimento de fratura dos trabalhadores.

Um registro que busca resumir a totalidade e a amplitude do avanço do liberalismo econômico na Europa e como isso afetou e afeta cada vez mais a classe trabalhadora espanhola (assim como da maioria dos países europeus) gerando a ampliação da perda de estabilidade no trabalho, o crescimento vertiginoso do desemprego e dos subempregos.

O filme dá voz aos jovens, aos velhos e nessa mistura da resignação da juventude se contrapõe o sentimento de melancolia e de derrota dos mais velhos que lutaram contra o franquismo e combateram contra os desmontes do setor industrial na região da cidade da Cartagena.

Uma felicíssima escolha do ano de 1992 como divisor de águas na luta operária – ano em que em que as últimas grandes manifestações de trabalhadores unidos e com consciência de classe tomaram as ruas de Cartagena por centenas de dia, enfrentaram a polícia e queimaram a Assembleia Legislativa da cidade.

Mesmo ano em que a Espanha tentava se vender ao mundo como moderna e globalizada, sediando os Jogos Olímpicos de Barcelona e a Expo Sevilha – para comemorar os 500 anos do “descobrimento” da América.

Todos os planos são fechados, onde o rosto das pessoas filmadas saltam à superfície da tela e ampliam a força de suas falas ou reverberam as suas expressões e sentimentos enquanto participam dos diálogos, escutam ou simplesmente se mantém calados em contemplação. Juntam-se a isso imagens de arquivo das manifestações de 1992 e trechos de telejornais e propagandas de TV.

Toda a ação se passa dentro de um bar, café e restaurante e dentro de espaço extremamente restrito todo um universo de questões do trabalho, da economia, da política, da consciência de classe, os ecos do passado franquista, da luta contra o fascismo, da resistência dos trabalhadores no início dos anos 1990 e do desmonte da segurança do trabalho convivem em constante dialética.

Escrevo no calor do momento, como alguém que acaba de passar pela experiência fantástica de assistir a um longa dessa magnitude. Muito mais pode ser dito sobre essa obra fundamental, mas aqui me falta espaço;

Para resumir: ‘O Ano do Descobrimento’ é um filme imenso.

‘Responsabilidade Empresarial’, de Jonathan Perel

O ótimo documentário é fundamental para todos nós latino-americanos. O longa do diretor argentino expõe enfaticamente (e usando excelentes escolhas formais e narrativas) a responsabilidade e a parceria dos setores empresarias (nacionais e multinacionais) na ditadura empresarial-militar na Argentina dos anos 1970-80, algo que ocorreu da mesma forma em nosso continente ao longo do século XX e mantêm muitas sequelas nos dias atuais em nossos países.

O filme se torna ainda melhor para quem leu o fundamental livro de René Dreifuss, “1964 A Conquista do Estado”, que retrata de maneira primorosa as ligações do setor empresarial (nacional e multinacional) associado ao imperialismo estadunidense no golpe de 1964 no Brasil. O Brasil reflete a Argentina e vice e versa.

‘A Metamorfose dos Pássaros’, de Catarina Vasconcelos

O primeiro longa da diretora portuguesa é um belíssimo exercício da fabulação da memória em imagens e textos. As lembranças da vida da família de Catarina Vasconcelos são encenadas e narradas por vozes em off. Desde o casamento de seus avós até os dias de hoje, tudo é rememorado e fabulado em cenas que exploram a poética dos planos fixos, em tableaux onde circulam personagens do passado e do presente, em que pequenos gestos são filmados em planos fechados, ressaltando os afetos que cada gesto contém. Um filme em que a presença da morte e da vida, do nascimento e da finitude são constantemente comparadas à Natureza. A figura da mãe se materializa na natureza, nas plantas. A relação dos seres humanos é refratada na terra, no mar e no céu; nas árvores, folhas e flores – por isso as constantes imagens dessa natureza entram como espaço portador das recordações daquilo que foi sentido, da dor da perda daqueles que se foram; os afetos que deixaram marcas nas pessoas se transportam, como representação, para a materialidade das plantas, das águas, das montanhas e do céu – tudo o que está ao lado e envolve os personagens como espaço sensorial e táctil, mas que vai além da existência dos sujeitos.

A casa dos avós como ambiente vivo, por onde circulam personagens em seu passado, aqueles que já morreram e os que cresceram e envelheceram, local em que o tempo se estende do passado ao presente, na presença dos objetos, na luz que penetra e moldura os ambientes dessa casa-personagem recipiente da memória e da passagem do tempo.

O filme perde parte da força na segunda metadade, quando Catarina abusa das imagens da Natureza e do excesso de cálculo para torná-las sempre belas. Esse mecanismo optado pela direta atravanca o fluxo do filme, que se engessa demais numa forma muito calculada de potencializar o esplendor visual do que ela põe na tela. E as próprias palavras narradas também perdem sua força, no choque com o excesso de beleza calculada. Catarina Vasconcelos recupera-se na parte final, quando volta a inserir os tipos humanos e a casa de seus avós em cena, momentos em que os textos em off acompanham esse crescimento do discurso no longa.

‘A Metamorfose dos Pássaros’ oferece aquilo que pode ser classificado como cinema de poesia, onde a memória se materializa nas cenas recriadas de lembranças fragmentadas, nas vozes que invadem os planos para narrar o que se passou, ou o que se imagina que aconteceu. Mas o filme trata a memória como recriação, em que fatos que ocorreram são apenas fiapos de lembranças, em que tudo o que não pode ser lembrado é inventado. A memória como fabulação e invenção do passado. Lembrar é um constante fabular, é recriação ficcional de um passado impossível de ser percebido e contido como matéria dada, em que muito do que se perdeu é idealizado, para que o que resta de verdade desse passado seja ampliado em afetos fabulares. E Catarina Vasconcelos traz um caleidoscópio de lembranças e as condensa em uma sequência de livre fruição de imagens-metáfora, imagens-representação, imagens-alegoria, imagens-fragmento. Todas mediadas pelos constantes textos em off, nas diferentes vozes que se relacionam com tudo que se dá plano e se estendem para além do quadro. Um belo longa de estreia.

‘Pajeú’, de Pedro Diógenes

‘Pajeú e mais um ótimo filme de Pedro Diógenes, que já se consolidou como um dos melhores realizadores do Brasil em uma década de trabalho, desde seu início de carreira dentro do coletivo Alumbramento.

O longa funde uma narrativa ficcional com diversas intromissões: documentais, fantásticas ou simbólicas que tratam tanto da cidade de Fortaleza como personagem em constante mutação como do microcosmos da protagonista.

A professora primaria Maristela, em meio a uma crise de ansiedade e angústia que a faz se isolar cada vez mais dos amigos, torna-se obcecada pelo riacho Pajeú, que corta a cidade de Fortaleza e hoje e se encontra canalizado e soterrado, correndo pelos subterrâneos da cidade e deixando-se ver em pequenos pedaços em diferentes pontos da capital cearense. Poluído e constantemente alterado se seu curso natural, o riacho sobrevive nas entranhas desse corpo urbano em expansão.

Maristela passa a ter pesadelos com o Pajeú, que se transforma, em seus sonhos, em um monstro de lixo e poluição. A ficção do filme passa a acompanhar sua protagonista numa jornada em que ela tenta percorrer o curso desse riacho. Nessa marcha ela cruza grande parte da cidade, que vai se revelando ao filme em seus espaços ocultos, em seus fragmentos e suas brechas. Ela passa a se encontrar com pessoas reais –  a ficção é invadida e partilhada na sua construção discursiva com os registros documentais. Esses desconhecidos, habitantes anônimos de uma cidade enorme,  falam sobre o riacho e os efeitos negativos de sua canalização para que mora ou trabalha próximo ao seu curso subterrâneo.

A curiosidade e a obsessão da personagem ficcional faz com que ela recuse, dentro do corpo do filme, a ficar presa ou limitada à ficção e a força a interagir de maneira cada mais documental com tipos reais dentro da cidade real. Essa nova evolução discursiva do filme conduz Maristela a se encontrar com pesquisadores reais, que estudam o Pajeú e as transformações em seu curso desde a fundação de Fortaleza no século XVII, bem com a leva a entrevistar, aleatoriamente, pessoas numa praia, que começam a falar sobre seu (des)conhecimento sobre riacho e, então, passam a responder questões existências que a personagem Maristela faz a elas (que servem como auxílio a suas próprias angústias subjetivas – dentro da ficção). A partir desse momento, ela passa a agir como se fosse uma entrevistadora de um documentário. Nesse trecho das entrevistas na praia, ‘Pajeú’ remete à ‘Crônica de um Verão’, documentário de Chris Marker e Edgard Morin, lançado em 1960. Nesse filme, Marker e Morin interpelam e entrevistam pessoas que passam nas ruas de Paris e lhes fazem perguntas existenciais, como “você é feliz?”

Mas o longa de Diógenes não é nada esquemático, a mistura documentário/ficção nunca é explicita ou fácil de se definir; é sempre questionada e expandida, invadida por outras formas de representação. A ficção realista, intercalada com os momentos documentais, é também interpelada por sequências fantásticas (os pesadelos e delírios de Maristela com o riacho) ou por cenas catárticas (como passagem no bar de karaokê). O percurso ficcional e documental de Maristela no desenrolar do filme desvelam tanto as entranhas e mutações de uma cidade do tamanho de Fortaleza como o íntimo da protagonista, seus medos, angústias, esperanças e incertezas. Ao longo de tudo isso, o discurso em construção de ‘Pajeú’ introduz as relações de Maristela com as pessoas próximas que conhece bem (personas ficcionais) e com os desconhecidos (os tipos “reais”) que encontra em sua trajetória de tentar descobrir, não apenas o curso do riacho canalizado Pajeú, mas também sobre ela mesma e seu estar no mundo.

Um belíssimo exercício de cinema que usa e abusa de tensionamentos no dispositivo.

‘O Índio Cor de Rosa Contra a Fera Invisível: A Peleja de Noel Nutels’, de Tiago Carvalho 

Um trabalho excepcional de montagem, tanto de som quanto de imagem. Um registro de ruínas, resíduos e rastros da história do nosso país, que se projetam e ecoam de maneira intensa nos dias hoje.

Belíssimo.

‘Los Lobos’, de Samuel Kishi Leopo

Segundo longa do realizador mexicano Samuel Kishi é baseado nas memórias de infância do diretor. Um retrato da migração forçada por causas econômicas que joga uma mãe e seus dois filhos crianças em uma cidade no Novo México, EUA. A super exploração da força de trabalho da mãe é tão forte no filme quanto a penúria, a melancolia e o isolamento das duas crianças encerradas dentro de um quarto alugado paupérrimo.

Amargo e poderoso (mas com breves e belos momentos de fuga e ternura) retratado do triste destino de milhões de latino-americanos que são empurrados a uma desterritorialização em busca de dinheiro, do dólar, da esperança de fugir da miséria para serem explorados e marginalizados nos quintais de um espaço que é a pura materialização da deterioração do sonho americano.

‘Longa Noite’, de Eloy Enciso

O longa do galego Eloy Enciso vem despertando amor e ódio em críticos de alto nível por todos os cantos.

Uma estrutura formal muito rígida, como proposta estética central, oferece aberturas para se penetrar no tecido do filme. A questão está em aceitar essa entrada e sentir aquilo que o filme propõe, no rigor dos textos, das falas (diegéticas ou em voz over) e na relação dos corpos dispostos no quadro de maneira meticulosa, mais como corpos-espectro do que peronas naturais ao espaço cênico.

A memória dos primeiros anos após a Guerra Civil espanhola, a relação ambígua em se aceitar o fascismo de Franco recém imposto ao país – as noções de ordem, poder e submissão que esse regime carrega. Ou se recusar a esse estado de coisas que anula os indivíduos e os torna seres-autômatos que agem mecanicamente, rejeitam suas subjetivações em detrimento a uma vida-morta que os joga na sujeição.

Memórias dos que lutaram contra o fascismo e perderam; suas lembranças dos próprios sofrimentos e torturas e das pessoas próximas que foram mortas, presas ou se exilaram.

A presença daqueles que aceitam e exaltam (ou se mantém passivos) a obediência cega ao novo líder supremo da ordem castradora, em que a desigualdade social é fato dado e impossível de ser alterado.

Tudo isso dentro de uma encenação muito rigorosa e formalista. O uso constante dos campos e contra-campos em todos os diálogos, o antinaturalismo na mise-en-scène contrastando a fragilidade desses corpos e sua relação com os espaços vivos onde se prostram ou, como no caso do protagonista, se põe em movimento constante em direção a um destino desconhecido.

Eu fico com os que penetraram o filme e gostaram dessa jornada e de sua proposta, mesmo com suas imperfeições e excessos de formalismo.

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Ressalto, também,  a presença na programação do festival de um filme incrível que pretendo futuramente voltar a ele: ‘O Tango do Viúvo e seu Espelho Deformador’, que mescla rolos do primeiro longa de Raúl Ruiz (rodados em 1967, ainda no Chile), recém-encontrados e completados por sua viúva, a cineasta e montadora de inúmeros de seus filmes,  Valeria Sarmiento. Uma exuberante experiência em que se fundem imagens mudas –  captadas há décadas e deixadas incompletas – com toda a banda sonora. falas textos, ruídos e trilha sonora, acrescentada em 2019, bem como todo um processo de montagem que interfere radicalmente nos planos encontrado. Esse material híbrido, além de criar um diálogo com a obra enorme de Ruiz,  se materializa na tela em um ensaio contemporâneo que mistura cacos ficcionais distantes do tempo presente com novos instantes reflexivos.

Para finalizar, resta dizer o quão bom foi o processo de curadoria do 9º Olhar de Cinema na escolha  da qualidade dos filmes da programação. Todos os que aqui foram comentados nesse texto tiveram no Olhar sua primeira exibição no Brasil. Mas vale lembrar que o Olhar 2020 ofereceu importantes filmes contemporâneos exibidos recentemente no país em outras mostras e festivais, como  os ótimos ‘O Canto dos Ossos’, de Jorge Polo e Petrus de Bairros e ‘Yãmiyhex – As Mulheres-Espírito’ de Sueli Maxakali e Isael Maxakali e o muito bom ‘Cabeça de Nêgo’, de Déo Cardoso.

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