‘Sinfonia da Necrópole’, de Juliana Rojas

Por Fernando Oriente

'Sinfonia da Necrópole'Em seu primeiro longa solo, Juliana Rojas mantém várias características que marcaram sua carreira como curta-metragista e que também estavam presentes em ‘Trabalhar Cansa’, o belo longa-metragem que ela assina em parceria como Marco Dutra. Mas em ‘Sinfonia da Necrópole’ vemos Juliana caminhar por novos caminhos e introduzir outros elementos em seu cinema. Embora o filme não tenha a força e a qualidade de alguns de seus curtas – principalmente o excelente ‘O Duplo’, de 2012 (um dos melhores curtas dos últimos tempos) e também fique aquém de ‘Trabalhar Cansa’, ‘Sinfonia da Necrópole’ é um bom filme, em que vemos uma autora jovem mostra talento, tentar ampliar os horizontes de seu discurso e introduzir novas concepções formais a sua obra.

Juliana sempre trabalhou dentro do registro dos gêneros cinematográficos, mais notadamente o horror e o terror psicológico. Nesse seu novo filme, o que mais chama atenção é a facilidade como a diretora encena com competência um filme de forte apelo popular, mas que não abre mão do rigor da construção e as texturas analíticas presentes na mise-en-scéne. ‘Sinfonia da Necrópole’ traz elementos carregados de comédia, conta com vários números musicais e ainda mantém o clima de suspense e terror psicológico, matéria que a cineasta domina melhor. Não que Juliana seja perfeita em toda a unidade do longa, existem momentos em que certas situações de humor não funcionam ou alguns números musicais que fazem a força da dramaturgia ser diluída.

A eficácia dessa abordagem popular escolhida por Juliana é sustenta principalmente na construção do protagonista, o aprendiz de coveiro Deodato, um típico personagem do cinema clássico: jovem, simplório, recém-chegado a uma cidade grande vindo do interior, tímido e sensível. Deodato terá, ao longo do filme, a tarefa simbólica de completar sua jornada de iniciação na vida de uma grande metrópole como São Paulo. Ele irá aprender a viver em meio ao caos urbano e sua amplidão desordenada e desumanizadora, a solidão em meio à multidão, sentirá as dificuldades de adaptação ao processo de trabalho e ao ritmo de vida e ainda experimentará o amor, ao se apaixonar por uma colega de trabalho. Um amor (praticamente) não correspondido e constituído dentro dos preceitos clássicos do romantismo, como a admiração crescente e tímida do objeto de desejo e a idealização da mulher amada.

Juliana Rojas transforma o cemitério em que Deodato trabalha e onde se passam quase todas as cenas do filme em um reflexo estetizado de São Paulo. É a metrópole que se reflete na necrópole. Esse recurso permite que várias questões urbanas urgentes sejam inseridas simbolicamente por Juliana em meio aos dramas de Deodato, como e especulação imobiliária criminosa que tomou conta de todo o país nas últimas décadas.

A cidade representada, esse simulacro da metrópole que é o cemitério, enfrenta problemas como a desocupação forçada de imóveis (túmulos), a remoção compulsória de pessoas (cadáveres) e a reorganização espacial urbana presente na verticalização dos espaços com a construção de novos túmulos dentro de pequenos prédios que substituirão os antigos jazigos.

Toda essa alegoria é tratada com muita naturalidade e leveza dentro da encenação de Juliana. A mise-en-scéne é pensada em função dos movimentos evolutivos dos tecidos dramáticos (e cômicos) do filme. Situações de humor ingênuo (muitas vezes perspicazes) são intercaladas por diversos números musicais de estilo clássico (em que os personagens dizem suas falas cantando e dançando). Breves momentos fantásticos em clima de cinema de horror, momentos românticos de sedução e devaneios de amor platônico também fazem parte do leque de gêneros que Julian costura com competência e ainda encontra espaços para tecer comentários sobre a finitude da vida e o conflito eterno entre a atração e o medo presentes na ideia da morte.

Sinfonia da Necrópole‘Sinfonia da Necrópole’ é um filme de encenação mais leve a ágil, algo que a proposta desse longa de Juliana exige. Não vemos a rigidez detalhista de encenação e decupagem presentes no trabalho anterior da diretora, ‘O Duplo’, mas Juliana Rojas é uma encenadora de mão cheia e, em meio à leveza melancólica de seu novo filme, mostra sempre ótima composição de quadro, belos enquadramentos e elegantes movimentos de câmera. No caso de ‘Sinfonia da Necrópole’, muito devido à oscilação entre os momentos fortes – as boas sequências, o uso preciso do sarcasmo, os simbolismos, as situações em que forma e discurso se potencializam – e os momentos em que o filme cai num certo descompasso em que o vigor narrativo perde força e se enfraquece, temos um filme que vale muito ser visto e apreciado, mas devido a essa irregularidade não chega a se completar num todo deixa uma sensação de que poderia ir mais longe, ousar mais e ceder menos a fusão de gêneros e evitar certas concessões de apelo simplista, bem como deixa a impressão que certos conflitos propostos na diegese poderiam ser intensificados.

Mas seu novo trabalho é apenas a mais recente confirmação do talento de Juliana Rojas. A facilidade como ela circula por gêneros diversos (e o apelo universal que esses gêneros carregam dentro de seus códigos internos), tanto em curta quanto em longa duração, fazem da diretora um nome certo para se esperar com ansiedade por seus novos projetos. Em meio a um momento de impasse da maioria do cinema contemporâneo praticado no país, Juliana é uma que não tem medo de arriscar, uma cineasta que busca soluções criativas, complexas. Em um exercício empreendido como ‘Sinfonia da Necrópole’, com seu sincero e natural apelo popular, Juliana chama atenção pelo respeito ao espectador trabalho dentro desse apelo mais comercial, mas sem nunca cair em formatos engessados ou vulgaridades.

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s