Por Fernando Oriente
“Pra que serve tudo isso?”. Essa frase, que é ouvida mais de uma vez e falada por mais de um personagem, pode ser uma das chaves para se entrar no universo de inquietude e desilusão que permeia a jornada de melancolia e desencanto da protagonista de ‘Os Encontros de Ana’; um dos grandes filmes de ficção de Chantal Akerman, lançado nos cinemas em 1978. Por meio de longos planos estáticos (recurso quase sempre presente no cinema de Chantal) e travellings compassados, a cineasta constrói um aprimorado diálogo entre os sentimentos difusos de sua personagem central com os diferentes tipos que cruzam seu caminho. Existe no filme uma dilatação das situações, sente-se constantemente o peso do tempo das ações e das não-ações.
‘Os Encontros de Anna’ é um longa em que as sensações e as sugestões estão em primeiro plano. As figuras dramáticas e seus discursos servem, ao lado da rigorosa construção estética, para ampliar o aspecto sensorial do filme A mise-en-scéne, em que a composição do quadro segue um rigoroso senso na disposição dos atores em cena e cria uma sutil relação entre os diferentes níveis da profundidade de campo, é construída como suporte narrativo para as muitas texturas dessas mesmas sensações. As cores sóbrias, dispostas em uma desbotada paleta em tons de marrom, são realçadas pelo uso de uma luz diurna clara e fria e uma iluminação noturna em que a claridade artificial asséptica ressalta o estado de espírito de tipos à deriva. A câmera de Chantal Akerman retira o máximo das expressões dos atores. Tanto nos diálogos como nos longos silêncios, momentos cruciais do longa em que os tipos “falam” constantemente com o espectador.
A protagonista (interpretada de forma primorosa por Aurore Clément) é movida em suas ações quase que pela simples obrigação de seguir adiante. Ela é cheia de incertezas e sua inquietude reprimida é arrastada em meio à carência e a solidão. As falas dos personagens que Anna encontra em sua jornada são por muitas vezes monólogos em que sentimentos recalcados vêm à tona e se confundem com o discurso interno que a protagonista exprime por meio de seus silêncios e suas expressões. Existe uma verbalização do que Anna sente em quase todas as falas do longa. Ela é o fio condutor que aglutina o desencantamento diante do mundo. Sua angústia e sua incapacidade em exprimir objetivamente aquilo que sente é o reflexo de toda uma sociedade européia que perdeu o encantamento e a esperança. Ela é o rosto cheio de dúvidas e insegurança que se move sem rumo em meio a uma resignação involuntária incapaz de ser rompida.
“Pra que serve tudo isso?” em um mundo em que o sentido das coisas está cada vez mais turvo e a possibilidade de se ter algo sólido, ou mesmo alguém que supra a onipresente sensação de carência, parece ser algo inatingível? O peso dessas questões é o cerne desse filme impressionante, em que Chantal afirma sua capacidade de adensar os recursos visuais que tanto domina a serviço de um cinema cuja representação do humano e das sensações que ele carrega está sempre em primeiro plano. ‘Os Encontros de Anna’ é um longa ímpar em que o discurso coeso e complexo de Chantal Akerman é sentido em cada enquadramento.