‘Cala a Boca, Philip’, de Alex Ross Perry

Por Fernando Oriente

Cala a Boca, PhilipCom ‘Cala a Boca, Philip’, Alex Ross Perry dá um passo a mais para se consolidar como um bom cineasta. Perry trabalha dentro dos códigos já saturados do cinema Indie americano, uma espécie de gênero dentro da cinematografia norte-americana que teve seu início e apogeu nos anos 80 e na primeira metade da década de 90, mas que desde então se tornou fábrica de filmes rasos, cheios de cacoetes moderninhos, temas contemporâneos tratados como hype e sem densidade, firulas estéticas que servem apenas para dar ares de estranheza visual e muito exibicionismo formal, tudo embalado ao som do pop rock hipster do momento. Com seu longa anterior, ‘The Color Wheel’ (2011) e agora com ‘Cala a Boca, Philip’, Perry consegue transitar por esse universo, se servir de alguns de seus códigos, mas subverter tudo e injetar densidade e textura ao temas e dramas que aborda, bem como imprimir uma encenação vigorosa que, aliada a uma edição ágil e bem ritmada, ajudam a formatar um discurso atual e corrosivo sobre questões contemporâneas.

Em seus filmes, Perry trabalha com protagonistas aparentemente antipáticos e verborrágicos, que escondem suas fraquezas e inseguranças com uma postura e um discurso agressivo, arrogante e cínico, em que fazem questão de diminuir tudo e todos que os cercam para se imporem sempre na tentativa da anulação intelectual do outro. Em ‘The Color Wheel’, o casal de irmãos que protagoniza o filme passa o tempo todo se agredindo e a atacando todos que cruzam seu caminho. Em seu filme anterior, Perry cria uma solução dramática improvável e provocativa para fechar o filme, situação que despe os personagens de sua agressividade aparente e expõe os dois irmãos como seres carentes que encontram o afeto um no outro, em uma cena direta que potencializa todo o resto do filme e dá um sentido muito mais complexo aos questionamentos que o diretor havia sugerido ao longo da narrativa.

Em ‘Cala a Boca, Philip’, Alex Ross Perry constrói o filme em torno de seu protagonista, o jovem escritor Philip, que está prestes a lançar seu segundo romance após ter obtido grande sucesso crítico com seu livro de estreia. Philip é um típico personagem desse cinema Indie americano atual, mas por meio do talento de Perry, o personagem ganha texturas, contradições internas e se desenvolve ao longo do filme. O protagonista é conduzido pelo diretor sempre com o intuito de retirar suas camadas externas e ir expondo suas complexidades existenciais. Desde as primeiras cenas já percebemos a fragilidade e as fraquezas de Philip. Perry não esconde, muito pelo contrário, deixa transbordar pelas arestas do personagem todo seu conflito interno e seu senso de deslocamento e não pertencimento a realidade em que está envolvido.

‘Cala a Boca, Philip’ se serve muito bem da força dramática e das relações e tensões provocadas pela presença dos diversos personagens coadjuvantes e dos conflitos que surgem entre eles e o protagonista. Desde a namorada fotógrafa de Philip, passando por suas ex-namoradas e principalmente no personagem do velho escritor que se torna uma espécie de mentor e melhor amigo de Philip (além de ver no jovem um reflexo dele próprio quando começou sua carreira), todos aqueles que cruzam o caminho de Philip ajudam a ir despindo o personagem de sua carcaça seca e agressiva e vão progressivamente e de maneira natural desconstruindo sua figura, expondo suas limitações e humanizando o personagem, deixando clara a solidão em que está imerso e de será incapaz de fugir. Perry constrói essa evolução dramática de maneira ágil, sem cair em pieguices e em discursos pré-fabricados ou moralistas.

O diretor não julga seus personagens, apenas os observa sempre com a intenção de penetrar em seus interiores e expor as tensões do mundo que os cerca, de revelar o que as personas e máscaras que criamos para enfrentar a vida escondem de humano e de limitado por trás. Por meio da relação entre os tipos, Perry edifica seu discurso sobre a sociedade atual, sobre o universo dos jovens intelectualizados das grandes cidades, sobre a saturamento e o caos existencial de que as pessoas tentam fugir vendendo uma falsa auto-imagem. É sobre esse estado de coisas que Alex Ross Perry pretende erguer sue cinema, com reflexões paradoxais e incertezas sempre aliadas à acidez das relações, a crueza dos conflitos e à precariedade existencial de um mundo saturado.

'Cala a Boca, Philip'A encenação de Perry é virulenta, os planos são curtos e fechados em seus personagens e nas ações. A câmera se move constantemente, mas sempre em função dos dramas, ela está constantemente procurando o registro exato das expressões, dos gestos, dos rostos e dos olhares. Os filmes de Alex Ross Perry são verborrágicos, os tipos falam compulsivamente, mas em meio a isso, o diretor insere brevíssimos momentos de fuga, instantes rápidos de silêncios, imagens que quebram a energia alucinada dos personagens e introduzem períodos de pausa e reflexão que comentam os planos, dialogam com as sensações passionais da dramaturgia e oferecem caminhos reflexivos que muitas vezes vão à contramão da visceralidade com que os personagens levam suas vidas. É como se esse breves instantes de respiro oferecessem o vislumbre rápido de realidades possíveis, mas que a intensidade a que os tipos estão mergulhados fazem com que eles sejam incapazes de perceber.

No auge do bom cinema independente americano surgido nos anos 80 e 90, com diretores como Jim Jarmusch e Hal Hartley, se dizia sobre uma espécie de neo-existencialismo que conduziam esses filmes, que retratavam de maneira mais reflexiva, com planos mais longos e diálogos que beiravam o filosófico existencial, uma inércia existencial do ser humano, uma incapacidade de se mover, tomar posições ou se auto-afirmar. Os anos passaram, a velocidade do mundo e a profusão frenética e ininterrupta de imagens e informações mudaram a realidade a que estamos inseridos, mas o vazio existencial, a solidão, o sentimento de não-pertencimento e a incapacidade estabelecer relações interpessoais permaneceram. O cinema Indie americano ficou anos incapaz de abordar de uma maneira complexa essas transformações. A se julgar por ‘The Color Wheel’ e ‘Cala a Boca, Philip’, Alex Ross Perry surge como um cineasta talentoso capaz de penetrar nesse mundo contemporâneo e de dentro dele compor filmes complexos que traduzem, sem a intenção de explicar nada, as contradições dessa nossa contemporaneidade.

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