‘Com os Punhos Cerrados’, de Luiz Pretti, Pedro Diogenes e Ricardo Pretti

Com os Punhos Cerrados-posterPor Fernando Oriente

O novo longa de Luiz Pretti, Pedro Diogenes e Ricardo Pretti, ‘Com os Punhos Cerrados’ começa com uma questão posta aos personagens bem como ao espectador: “O que fazer?”. Essa mesma questão também estava presente no início (e a ao longo de toda a duração) dos dois filmes anteriores do trio ‘Estrada para Ythaca’ (2010) e ‘Os Monstros’ (2011), esses dois também co-dirigidos por Guto Parente. Esses filmes, bem como o trabalho dos cineastas e do coletivo Alumbramento, partem de uma inquietação social com o momento em que vivemos e com um desconforto em relação ao papel do cinema e da arte que seja capaz de traduzir esses tempos e suas angústias.

‘Com os Punhos Cerrados’ teve sua estreia mundial no Festival de Locarno 2014, que aconteceu na cidade suíça entre os dias 6 e 16 de agosto.

Em ‘Com os Punhos Cerrados’, vemos os diretores, que também interpretam o trio de protagonistas do filme, em um momento divisório, em que o inconformismo com o estado das coisas os abriga a agirem. Eles montam e transmitem uma rádio pirata, com textos e músicas anarquistas, em que atacam a sociedade capitalista e os conceitos engessados e reacionários do Estado e a apatia alienada de uma sociedade perdida entre a obrigação do trabalho e os desígnios consumistas que a vida estabelece para inserir as pessoas em seu jogo monótono.

O trabalho dos diretores é construído por meio da autonomia dos planos, que trazem uma relação física e poética entre os personagens, os textos, suas inquietações e as limitações espaciais e políticas que estão contidas nos espaços em que estão confinados. Elementos dramáticos são acrescentados ao longa como comentários sarcásticos. Primeiro um vilão propositalmente caricato que representa os valores do capitalismo e do pensamento autoritário e moralista da direita brasileira. E, mais interessante ainda, a presença de uma jovem sedutora que é enviada pelo vilão para se infiltrar entre o trio de protagonistas para servir de espiã de suas ações.

As cenas com a jovem, que acaba se envolvendo física e emocionalmente com os três personagens centrais é um achado no filme. Os longos planos em que ela permanece em silêncio, observado e escutando o que dizem e fazem, o olhar melancólico da moça, as lágrimas que escorrem de seus olhos são uma potencialização das idéias e das angústias em que vivem os jovens anarquistas. Ela passa de agente alienado a serviço de uma causa canalha a uma mulher que se mostra capaz de entender, se envolver e, principalmente, sentir os significados do discurso e as dores dos jovens. É um colocar-se no mundo o movimento vivido pela jovem interpretado por Samya de Lavor.

O filme não prega soluções, não aponta caminhos para conquistas. O que os diretores/personagens fazem são pequenos atos de resistência, são reações necessárias a eterna questão “o que fazer”. Os planos longos, os enquadramentos oblíquos, o excesso de imagens capturadas através de panos, lenços e em meio a objetos de obstruem uma visão limpa dos espaços impulsionam as sensações claustrofóbicas em que as ações e intenções do trio estão condenadas.

Os três personagens centrais praticamente não conversam. Dialogam por meio dos textos que lêem, dos olhares que trocam, dos silêncios a que estão inseridos e aos movimentos e ações que se dedicam por uma simples necessidade de ação, de movimento, de seguir adiante. Entre os textos lidos ao longo de ‘Com os Punhos Cerrados’ estão Antonin Artaud, Elie Faure, Oswald de Andrade, James Joyce, William Powell, além de textos dos próprios cineastas e um discurso seguido de uma poesia lida pelo amigo, poeta e também cineasta Uirá dos Reis, que participa de uma das mais belas cenas do longa.

Os textos, a relação dialética entre as palavras lidas com as imagens, silêncios e movimentos (dos personagens e da câmera) constituem uma afirmação do poder dessas palavras em meio à inação a que somos condenados. As possibilidades das significações dessas palavras aumentam a angústia e a dor de viver em um mundo sem possibilidades de auto determinação dos seres.

‘Com os Punhos Cerrados’, dentro de sua encenação solta, aberta aos espaços e as percepções do espectador, segue a linguagem dos cineastas, presente tanto em seus longas anteriores, quanto em alguns de seus mais significativos curtas. O respeito pelos ambientes a e a relação desses com os personagens e com a câmera são elementos centrais no cinema dos diretores. Outra presença forte no filme, que também era notada em ‘Estrada para Ythaca’, é a influência dos filmes que Jean-Luc Godard fez em sua fase política mais radical do final dos anos 60 e primeira metade da década de 70, principalmente nos filmes que Godard fez com o coletivo Dziga Vertov, como ‘Vento do Leste’, e ‘Tudo Vai Bem’, entre outros. Só que os diretores cearenses atualizam essas influências e a traduzem para os dias de hoje.

A necessidade dos personagens fazerem suas vozes, suas palavras e idéias serem ouvidas (via rádio pirata) é a mesma necessidade dos cineastas fazerem existir o seu cinema. A luta sem possibilidades de ser vencida do trio protagonista é como o cinema feito com independência e originalidade pelos irmãos Pretti e Diogenes, bem como por todo o coletivo Alumbramento e outros artistas que produzem esse cinema inquieto e talentoso que não para de apontar caminhos, conquistar espaço e oferecer filmes consistentes e cheios de possibilidades.

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