Entre as várias qualidades do documentário ‘Em Busca de um Lugar Comum’, de Felippe Schultz Mussel, uma se destaca de maneira acentuada. A montagem do filme atinge resultados notáveis. A imersão do longa nas favelas do Rio, guiada pelo registro de diversos grupos de estrangeiros durante o já famoso “turismo de favela” é potencializada pelas opções de edição em montagem paralela.
Esse paralelismo não é apenas na variação entre as sequências de cada um desses grupos, é, também, e principalmente, entre os discursos, os pontos de vistas, os subtextos e a interpretação dos espaços e das situações que surgem em meio a esses passeios de lazer nas comunidades carentes do Rio. São no conflito entre as vivências de cada um desses grupos e suas relações com os cenários, as diferentes posturas dos guias locais e as interpretações que surgem nas distintas situações que estão a grande força do documentário de Mussel.
O filme não julga seus personagens, sejam turistas, guias, operadores de empresas de turismos e moradores das comunidades. Essa distância moral que Mussel mantém de seus personagens permite que discursos dos mais distintos surjam de forma espontânea. Temos desde os que defendem as políticas agressivas e segregacionistas dos modelos UPP, passando pela visão arrogante e superior de estrangeiros orgulhosos de pertencerem a países ricos, a comiseração assistencialista dos turistas, o oportunismo dos operadores de agências de turismo que querem capitalizar em cima das carências das comunidades, o encantamento meio bobo de “gringos em meio a lugares exóticos” até guias locais que procuram ressaltar as reais desigualdades sociais do Brasil e enaltecer as inúmeras qualidades presentes nas comunidades.
Embora mantenha a distância crítica, Mussel constrói um filme com planos poderosos. As imagens e as escolhas dessas imagens dentro da decupagem engrandecem o desenvolvimento do filme e dão suporte estético à matéria central do filme. Os planos são pensados dentro de uma linguagem rigorosamente cinematográfica, o documentário não fica refém do cinema direto, é muito mais arejado e contemplativo, sem perder sua postura incisiva de debruçar-se sobre uma realidade que procura transportar para a tela.
Não existe imagem inocente, como diz Godard, e mesmo com a distância crítica que Mussel impõe ao longa, o diretor faz de seu filme um conciso e coerente comentário sobre as diferenças sociais do país, a exploração da pobreza como atração para turistas em busca de uma aventura em meio ao exotismo terceiro-mundista e a ausência no espaço público de um real debate sobre caminhos para se integrar as comunidades à vida social de um país que cresce sem saber muito por onde e nem para quem.
‘Em Busca de um Lugar Comum’ é cinema político complexo e moderno, sem dogmas, moralismos ou discursos prontos. Faz da estética uma ferramenta de discussão sociopolítica e do cinema um espaço para se levantar questões e explorar conflitos que muitas vezes são diluídos na explosão audiovisual capenga que toma conta dos principais canais de comunicação do país. Um documentário mais do que obrigatório, não para entender o país, mas para se pensar sobre ele.