Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Dicas e apostas para a 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Por Fernando Oriente

Imagem e Palavra

‘Imagem e Palavra’, de Jean-Luc Godard

 – Entre os mais de 300 títulos que serão exibidos na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (que acontece de 18 a 31 de outubro), destaco alguns com grande ênfase. Entre os longas que tiveram suas primeiras exibições mundiais nesse ano de 2018 ou em 2017 (mas ainda estão inéditos em salas brasileiras) esses destaques principais são:

‘Imagem e Palavra’ (Le Livre D’Image), de Jean-Luc Godard (França/Suíça) – Novo longa do maior cineasta de todos os tempos. Mais uma experiência arrebatadora e radical de imagens e sons em uma construção de discurso em infinitas camadas e intertextos. Para se assistir muitas vezes.

‘Infiltrado na Klan’ (BlacKkKlansman), de Spike Lee (EUA) – O melhor filme de Spike dos últimos anos. Isso é muita coisa, já que Lee é, há décadas, um dos grandes do cinema mundial.

 ‘Sol Alegria’, de Tavinho Teixeira (Brasil) – Esse seu segundo longa confirma o diretor entre os melhores, mais criativos e originais realizadores do cinema contemporâneo brasileiro. Cinema inclassificável, político, libertário, de desbunde, contestação e maravilhamento.

 ‘Hotel às Margens do Rio’, de Hong Sang-soo (Coréia do Sul) – Ao lado de Pedro Costa, Hong é o maior realizador surgido no cinema nas últimas décadas. Seu novo longa dispensa apresentações.

 ‘Temporada’, de André Novais Oliveira (Brasil) – Assim como Tavinho Teixeira, André Novais já se firma, com esse seu segundo longa e após ótimos curtas, como um dos mais notáveis cineastas contemporâneos do Brasil. Um cinema pessoal e único.

 ‘Grass’, de Hong Sang-soo (Coréia do Sul) – Mais um Hong Sang-soo, sem mais. Só que esse teve suas primeiras exibições ano passado, mas terá suas primeiras sessões no país nessa edição da Mostra

 ‘Ilha’, de Ary Rosa e Glenda Nicário (Brasil) – Novo trabalho da dupla de cineastas após o sensacional ‘Café com Canela’

 ‘Como Fernando Pessoa Salvou Portugal’, de Eugene Green (Portugal/França) – Curta de um cineasta ímpar.

 ‘Trem das Vidas ou a Viagem de Angelique’, de Paul Vecchiali (França) – Após a retrospectiva que a Mostra de 2017 dedicou a Vecchiali, esse é o último trabalho de um veterano mestre responsável por alguns dos mais significativos (e pouco vistos) filmes do cinema mundial pós anos 1970.

‘Almas Mortas’, de Wang Bing (China) – O cinema de Wang Bing é bom demais

‘Amor até as Cinzas’, de Jia Zhang Ke (China) – Embora o último grande filme de Jia seja ‘Still Life’, de 2006, o cineasta chinês sempre realiza belos filmes, bem acima da média.

‘Clementina’, de Ana Rieper (Brasil) – Primeiro longa de Rieper após o belo ‘Vou Rifar Meu Coração’. Um belo retrato de Clementina de Jesus, uma das artistas mais seminais da cultura brasileira.

‘O Barco’, de Petrus Cariry (Brasil) – Gosto muito dos filmes de Petrus e embora ‘O Barco’ seja um filme mais formalista, tem grandes momentos e boas soluções.

‘O Termômetro de Galileu’, de Teresa Villaverde (Portugal) – O documentário é o novo trabalho da talentosíssima cineasta Teresa Villaverde.

‘Túmulos Sem Nome’ (Rithy Panh) (Camboja) – Panh é um dos grandes nomes do documentário contemporâneo no mundo.

‘O Olho e a Faca’, de Paulo Sacramento (Brasil) – Sacramento é um diretor de extremo talento e um grande encenador.

‘Los Silencios’, de Beatriz Seigner (Brasil) – Filme que cresce muito após ser assistido. Cheio de pequenos nuances e muita sensibilidade. Detalhes que fazem parte de uma obra que transcende uma visão imediatista.

 – Entre os filmes mais antigos e sessões especiais em cópias restauradas os destaques são:

 ‘Oito Horas Não São um Dia’, de Rainer Werner Fassbinder (Alemanha) – Monumental série feita para a televisão em 1972 realizada por um dos maiores gênios do cinema mundial.

 ‘O Bandido da Luz Vermelha’, de Rogério Sganzerla (Brasil) – Cópia restaurada de um dos maiores filmes brasileiros de todos os tempos. O filme é o primeiro longa do diretor, lançado em 1968. Todo o cinema de Sganzerla é maravilhoso, simples assim.

 ‘Bravo Guerreiro’, de Gustavo Dahl (Brasil) – A Mostra exibe em cópia restaurada essa pérola do cinema político brasileiro realizada em 1968. Um filme que dialoga diretamente com outros filmes brasileiros enormes do período como ‘O Desafio’ (Paulo César Saraceni), ‘Terra em Transe’ de Glauber Rocha) e ‘A Vida Provisória’ (de Maurício Gomes Leite). Assim como ‘O Bandido da Luz Vermelha’, ‘Bravo Guerreiro’ e os outros filmes listados acima têm muito a dizer sobre os dias que vivemos atualmente no Brasil.

 – Entre os filmes não assistidos (ou que não tenho uma opinião tão plena sobre os realizadores ou poucas informações), mas que tenho boas expectativas ou gosto de trabalhos anteriores de alguns dos cineastas, os destaques são:

  • ‘Uma Terra Imaginada’, de Yeo Siew Hua (Singapura)
  • ‘Maya’, de Mia Hansen-Love (França)
  • ‘A Valsa de Waldheim’, de Ruth Beckermann (Áustria)
  • ‘Futebol Infinito’, de Corneliu Porumboiu (Romênia)
  • ‘Peregrinação’, de João Botelho (Portugal)
  • ‘Coincoin e os Inumanos’, de Bruno Dumont (França)
  • ‘Chuva é a Cantoria na Aldeia dos Mortos’, de João Salaviza, Renée Nader Messora (Brasil/Portugal)
  • ‘Amanda’, de Mikhael Hers (França)
  • ‘A Prece’, de Cedric Kahn (França)
  • ‘Extinção’, de Salomé Lamas (Portugal/Alemanha)
  • ‘Eu Não me Importo se Entrarmos para História como Bárbaros’, de Radu Jude (Romênia)
  • ‘Neville D’Almeida: Cronista da Beleza e do Caos’, de Mario Abbade (Brasil)
  • ‘Um dia Para Susana’, de Giovanna Giovanini e Rodrigo Boecker (Brasil)
  • ‘O Pequeno Mal’, de Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune (Brasil)
  • ‘Fabiana’, de Brunna Laboissière (Brasil)

 – Logicamente alguns bons filmes ficaram de fora, ou por falta de conhecimento meu sobre eles, ou por não ter tido capacidade de vasculhar mais detalhadamente a programação completa.

Sobre filmes que receberam o prêmio principal em festivais ao longo do ano, fora Locarno, nenhum outro me chamou atenção ou são assinados por diretores de que não gosto.

42 Motra de São Paulo

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38ª mostra de SP: outras duas pequenas críticas e alguns comentários

Por Fernando Oriente

‘Prometo Um Dia Deixar Essa Cidade’, de Daniel Aragão. (Brasil, 2014)

Prometo um Dia Deixar Essa Cidae_Bianca Joy PorteMais um trabalho interessante de Daniel Aragão, ‘Prometo Um Dia Deixar Essa Cidade’ é um filme melhor que o anterior do diretor, ‘Boa Sorte Meu Amor’ (2012). Em seu novo longa, Aragão se mostra mais passional com seu material, se arrisca ao extremo e não teme cometer excessos e se atirar junto com o filme na fúria dramática que conduz a narrativa. O resultado é um filme intenso, irregular, muito subjetivo, mas com camadas de interpretação variadas.

Toda a força do filme vem da atriz Bianca Joy Porte e da relação que se estabelece entre ela, a câmera e a encenação do diretor, que constrói tudo na relação visceral com sua protagonista. Tudo no longa passa pelo filtro da percepção e dos sentimentos da personagem Joli, vivida por Bianca. As angústias, as incertezas, a loucura, a força brutal, as fragilidades e a sensação de não pertencimento da personagem conduzem o tecido dramático e a evolução da narrativa.

Bianca Joy Porte realiza um trabalho excelente em ‘Prometo Um Dia Deixar Essa Cidade’. Sua entrega física, emocional e psicológica ao filme fazem de sua atuação uma das melhores não só do ano, mas como dos últimos tempos. Bianca é uma verdadeira atriz de cinema, no nível das nossas melhores como Maeve Jinkings, Djin Sganzerla e Caroline Abras. São atrizes que vivem de forma precisa, em múltiplas texturas, qualquer personagem. Não carregam vícios de atuação em TV e nem interpretam a si mesmas, como acontece com muitos atores e atrizes consagrados, principalmente no Brasil.

‘Prometo Um Dia Deixar Essa cidade’ é um filme intenso, que tira o espectador da posição de conforto e que sabe que dramas são potencializados e se tornam mais poderosos dentro de uma relação aguda entre direção e atuação. Méritos para Aragão e, principalmente, para Bianca Joy Porte.

‘Anna’, de Massimo Sarchielli e Alberto Grifi. (Itália, 1975)

AnnaFilme impressionante (no sentido de maravilhamento provocado no espectador) dirigido por Massimo Sarchielli e Alberto Grifi, ‘Anna’ é um belo exemplo da forma como o cinema da primeira metade dos anos 70, depois do advento do cinema moderno dos anos 60 e dos cinemas novos na mesma década, lida de maneira radical com o processo de recriação e reconstrução do real como mecanismo central.

O longa é um extenso processo de aproximação, reconhecimento e compartilhamento entre a personagem central (a jovem Anna, de 16 anos de idade, grávida e moradora de rua) a câmera e a mise-en-scène orgânica e direta dos cineastas. Temos um filme em que o suporte – a gravação em vídeo transferida para 16 mm – torna o filme sensível em sua matéria, em sua estrutura física de registro e processamento de imagens. Um filme em que as imperfeições da captação em vídeo (uma novidade com poucos recursos no início dos anos 70), as texturas desse formato ampliadas e misturadas com a granulação do 16 mm torna o processo fílmico em um objeto físico de apropriação do real.

O tempo todo somos lembrados dessa existência física, material das imagens dentro do suporte. Os diretores partem desse fator e criam dispositivos distintos dentro do filme que expõem e questionam a apropriação que fazem da realidade e dos dramas que encenam e recriam. A agilidade dos movimentos de câmera permitida pelo uso do vídeo, sua capacidade de zoom e seus closes extremos dão uma inquietude constante na evolução do filme.

Os longos planos em que os personagens (Anna, os diretores, a equipe do filme e pessoas do círculo de amizade deles) discutem os mais variados temas, como nas impressionantes cenas captadas de maneira frontal dos debates políticos e sociais na Praça Navona em Roma, as cenas em que a intimidade de Anna é explorada em seus mínimos detalhes pela câmera (planos de seu corpo nu, de sua barriga de grávida, de seus seios de gestante) como na notável sequência em que a garota toma banho e um dos diretores caça piolhos em sua cabeça, bem como as passagens em que se discute o próprio processo da feitura do filme (com exposição dos microfones, falsos racccords e os debates sobre como serão rodadas uma sequência) tudo isso faz de “Anna’ uma explosão de realidade bruta na tela.

É interessante notar a relação que ‘Anna’ tem com o monumental filme de Robert Kramer ‘Milestones’ (1975), rodado e lançado na mesma época. O filme de Kramer tem proporções continentais e uma infinidade de personagens, enquanto ‘Anna’ se restringe a um universo bem mais fechado de espaços e personagens. Mas a relação de desnudamento e exposição de um momento sócio-político e cultural (tanto na Itália de Massimo Sarchielli e Alberto Grifi quanto nos EUA de Robert Kramer) atinge a mesma intensidade nos dois longas. E, ambos os filmes, remetem ao tratamento que o diretor francês Jean Eustache dá a apropriação do real, principalmente em filmes como ‘Les Mauvais Fréquentations’ (1963) e ‘A Mãe e a Puta’ (1973). Tudo isso, e muito mais que só se percebe ao assistir a o filme, faz de ‘Anna’ uma obra-prima.

 Mais alguns comentários sobre destaques da 38ª Mostra internacional de Cinema em São Paulo

Do Que Vem AntesDentro da programação da Mostra em 2014, vários filmes merecem críticas e análises. Entre esses, o excelente novo filme do filipino Lav Diaz, ‘Do Que Vem Antes’ (na foto ao lado), em que temos um trabalho impressionante de encenação, construção de planos e um tratamento primoroso do tempo. Um longa que elabora uma sofisticada reconstrução da memória dentro da história recente das Filipinas. Em um filme de 5 horas e 40 minutos, Lav Diaz constrói uma narrativa sólida, ancorada no poder das imagens, na força autônoma de cada sequência e em que nada é supérfluo. Nem um minuto sequer do longa existe sem uma razão e uma função. Sua duração é exata, o filme dura o tempo que precisa durar. Um dos grandes filmes de 2014.

‘Los Angeles Por Ela Mesma’, do americano Thom Andersen traça um painel da maneira como a cidade foi representada no cinema ao longo da história. A primeira parte é usada por Andersen para construir um painel sobre identidade, representações, espaços urbanos, arquitetura e evolução histórica de Los Angeles. Na segunda parte, o cineasta entra em análises complexas sob um viés político, social, simbólico, cultural e crítico da relação entre a cidade e os filmes que a retratam.

Outros longas merecem destaque: o uso originalíssimo e complexo que o mestre norte-americano do cinema experimental Ken Jacobs (com 82 anos de idade) faz do 3D em ‘Os Convidados’. Jacobs parte de um curta de 1896 dos irmãos Lumière para, por meio do uso de fotogramas desse curta em sobreposições de imagens que geram o efeito em três dimensões, fazer um estudo sobre perspectivas de quadro, função das imagens, profundidade de campo e da própria evolução da relação entre imagem e cinema ao longo dos tempos. ‘El Mudo’, filme peruano dirigido pelos irmãos Daniel e Diego Vega, faz um retrato seco e direto dos dilemas ético-morais que assolam as sociedades latino-americanas por meio da história de um juiz obcecado pelos valores do trabalho, da justiça e do direito. ‘Jauja’, do argentino Lisandro Alonso e com ótima presença de Viggo Mortensen como protagonista, é o melhor filme de Alonso desde ‘Los Muertos’ de 2004.

E ainda um destaque especialíssimo para a antológica sessão com três curtas (‘Lacrimosa’_de 1970, ‘O Porto de Santos’_de 1978 e ‘O Tigre e a Gazela’_de 1977) e o seminal longa ‘Noites Paraguayas’ (1982) do cineasta e fotógrafo Aloysio Raulino. Uma sessão toda em cópias 35 mm restauradas pela Cinemateca Brasileira.