Que Clint Eastwood é um dos maiores cineastas da história do cinema americano já é um fato consumado. Clint faz cinema americano de primeira, carrega na matéria de seus filmes os elementos, a construção, o tratamento da narrativa, as variações emocionais, os temas, as formas e o mito da grande cinematografia dos Estados Unidos, além de uma reflexão e uma autocrítica típicas do cinema europeu, fonte na qual Clint também bebe.
É um diretor cinéfilo que usa o que aprendeu assistindo os grandes mestres de Hollywood, além de aplicar em sua obra o que viveu como ator dentro dos sets de cineastas como Don Siegel e do italiano Sergio Leone, entre outros. Toda essa gama de referências não impede Clint de ser um autor pessoal e original. Faz um cinema que os Estados Unidos andam meio carentes: cinema adulto.
Toda essa introdução para chegarmos a ‘Jersey Boys: em Busca da Música’, seu último longa. Nele Clint imprime suas marcas pessoais como a precisão e a beleza funcional dos enquadramentos, a modulação da dramaticidade por meio da decupagem das cenas e da montagem e a evolução acentuada narrativa em direção situações dramáticas que entram como uma aula do que um clímax pode ser dentro de uma estrutura narrativa de roteiro. Tudo isso em função e por meio de uma encenação que busca a emoção, a tensão entre os personagens, seus desejos, capacidades, impossibilidades e a realidade que os cerca.
‘Jersey Boys’ é um grande filme, um dos melhores de Clint nos últimos anos. Nele, a assinatura do diretor se faz notar em meio a referências e influencias de Vincente Minelli, Don Siegel, King Vidor e Nicholas Ray, entre outros. Como no cinema desses autores, bem como em toda sua obra, Clint busca a emoção, o potencial do homem como gerador de narrativas fortes e que carregam todo o conflito entre desejo, sucesso e frustração dentro de suas existências. O mundo, o cinema é o campo de embate entre os homens e seus impulsos, tudo moderado de forma austera pelos motores da vida e as limitações dos espaços e momentos históricos.
Em ‘Jersey Boys’, Clint trabalha as relações entre os personagens dando ênfase à cumplicidade, ao compromisso com o outro em meio a situações adversas. É um companheirismo similar ao dos westerns, a relação de fidelidade entre homens em que o compromisso supera os momentos mais improváveis para que se escolha pelo companheiro em detrimento aos benefícios e os riscos que as tensões e possibilidades externas podem oferecer. O ‘buddy film’ tão caro ao cinema americano é evocado por Clint de maneira orgânica dentro das relações entre os tipos que pretende imprimir no filme.
Clint faz uso preciso dos gêneros dentro do cinema. Seja o musical (de maneira periférica e pessoal) em ‘Jersey Boys’, o drama de conflito clássico em ‘Gran Torino’, ‘Sobre Meninos e Lobos’ e ‘Um Mundo Perfeito’, o faroeste em ‘Os Imperdoáveis’ e ‘O Cavaleiro Solitário’, o filme político em ‘Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal’, o melodrama em ‘Menina de Ouro’ ou o cinema de ação em ‘Rota Suicida’ e ‘Impacto Fulminante’.
A música é personagem de ‘Jersey Boys’, isso sem que o filme seja um musical tradicional. É necessária a precisão de um encenador como Eastwood para tornar isso possível sem cair em armadilhas sentimentalóides do uso de canções como manipulação simplista do emocional do espectador. A música tem o mesmo peso dramático de todos os outros personagens do filme e suas múltiplas texturas. Filmaço. E com direito a presença no elenco do mito Christopher Walken.
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