A seleção desimportante e a Copa equivocada

fotoPor Fernando Oriente

Essa Copa 2014 que se aproxima terá em campo a seleção brasileira mais sem graça e desprovida de carisma da história dos mundiais. Some-se isso ao fato de o torneio da FIFA em terras brasileiras ter se confirmado em suas piores perspectivas e teremos pela frente um evento coberto de crimes e violações aos direitos básicos de milhões de cidadãos e sustentada por uma propaganda piegas e ufanista em torno de valores patrióticos capengas. Tudo isso ao lado de um futebol brasileiro em um de seus momentos mais desprovido de brilho e relação passional espontânea com o torcedor.

Para qualquer um que se disponha ler (em veículos sérios e não pró Copa, CBF e FIFA) as notícias que envolvem a preparação e a realização do mega evento, os absurdos são gritantes. A expulsão de milhares de famílias se suas casas, a violência policial (torturas, assassinatos e agressões de todos os tipos) em comunidades carentes, a utilização de doze sedes para a Copa quando o exigido pela mafiosa FIFA são oito, a construção de estádios que não terão uso futuro, a selvageria e a fúria com que as forças de segurança reagem às manifestações, a possibilidade de leis fascistas contra os protestos, a entrega, de mão beijada, do país à FIFA, empreiteiras e grandes corporações e mais uma infinidade de arbitrariedades.

Mas esse texto é sobre outro assunto: o futebol e suas relações com a cultura do país. Cultura no sentido de costumes, espírito de época e os modos de produção simbólica de valores.

A construção da identidade e da representatividade nacional da seleção brasileira de futebol foi um fenômeno que durou um século. Começou na primeira metade do século 20 com a popularização do futebol no país e a solidificação do selecionado nacional como representante desse futebol. Nesse período houve a materialização da Copa do Mundo no cenário mundial, com sensível aumento de importância desde 1930, e a concretização do futebol como esporte mais popular do mundo.

A seleção brasileira viveu momentos emblemáticos. Representou o sonho ufanista e ingênuo da “pátria de chuteiras”, passou pelo trauma da perda da Copa de 50 no Maracanã e com isso virou referência dentro do processo do “complexo de vira-lata”, que criava a imagem de um país perdedor condenado voluntariamente a sua insignificância periférica no mundo das grandes nações de sucesso, e chegou ao patamar do time de maior sucesso de todos os tempos. Uma seleção representante do melhor futebol do mundo, os pentacampeões mundiais, a esquadra mais temida e respeitada dos gramados, a mítica da camisa amarela e outros superlativos que tanto se associam ao selecionado nacional.

Essa seleção é uma das melhores metáforas do país, ao mesmo tento que serve de espelho para os diferentes momentos da vida nacional. Representou o sonho de reconhecimento e sucesso de um Brasil promissor dos anos 50, foi usada abjetamente como propaganda e elemento de alienação de massas pela ditadura militar na campanha nacionalista da Copa de 70 e chegou aos dias de hoje como um negócio milionário, uma marca valiosa que é controlada pela CBF, seus patrocinadores e a Rede Globo.

É muito difícil olhar para a seleção nas últimas duas décadas e não ver nesse time de amarelo uma equipe que joga com o símbolo da Globo no peito. Um time que existe em nome dos ideais de delírio patriótico que a corporação da família Marinho usa para faturar milhões e para moldar os corações e mentes de grande parte de uma população refém do conteúdo propagado pela TV Globo e seus tentáculos na imprensa e nos produtos de grande consumo da indústria cultural brasileira.

O jornalismo esportivo chapa branca da emissora carioca, com seus repórteres vaselinas e seus narradores que beiram a demência ufanista em prol de uma patriotismo piegas não escondem que a Globo usa a seleção e todo o futebol brasileiro para faturar muito. Tudo isso com a parceria da CBF e seus gangsteres.

Esse processo cheio de minúcias que envolve a seleção brasileira de futebol deixa conseqüências indeléveis. O esporte mais popular do país tinha no “time canarinho” um representante legítimo de seu talento que carregava o orgulho representativo do torcedor, em todos os níveis sociais e culturais do país. Tanto que mesmo cientes da propaganda e do uso que a ditadura fazia da seleção de 70, muitos torcedores que queriam torcer contra, acabaram se rendendo a beleza do futebol jogado por aquele time e ao talento e ao carisma de mitos como Pelé (o jogador, não isso que ele virou depois), Rivelino, Tostão, Gérson e outros.

Com o futebol se tornando um negócio internacional que tem nos clubes europeus seus principais representantes, os grandes jogadores do Brasil passaram a se desvincular dos times brasileiros e começaram a jogar em gramados estrangeiros. Esse fenômeno é usado por muitos para descrever o crescente desinteresse do torcedor brasileiro em relação à seleção. Mas isso nem sempre é verdade, já que grandes ídolos nacionais jogaram, no auge de suas carreiras, em times europeus e mesmo assim eram idolatrados no Brasil e foram catalisadores de grande devoção à esquadra nacional por jogarem nela. Nomes como Romário, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e até mesmo o crente Kaká provocaram paixões no torcedor brasileiro.

Agora chegamos ao ponto principal dessa argumentação toda aqui. Essa seleção convocada para a Copa de 2014 é o grupo mais desprovido de carisma da história do nosso futebol e sintoma claro de uma época em que a seleção brasileira enfrenta uma real decadência simbólica no país. Embora o time brasileiro venha jogando bem no último ano, os jogadores atuais parecem sem graça, incapazes de gerar culto aos seus talentos e personalidades e impotentes em aglutinar uma torcida nacional em torno deles.

Mesmo uma figura que carrega um grande peso de marketing midiático como Neymar parece ter muito de seu carisma pré-fabricado; ele está longe de possuir uma representação emblemática no torcedor como tiveram Romário e Ronaldo, só para mencionar dois exemplos recentes. E é importante ressaltar que Neymar é um jogador de grande talento, mas que ainda não se firmou entre os grandes do futebol internacional, muito devido ao pouco tempo em que atua no principal cenário futebolístico do planeta e também a sua juventude.

O que dizer então de nomes como Oscar como o principal jogador de meio campo da seleção? Marcelo como lateral esquerdo? Jô como atacante? Fred como centro-avante? Esses bons jogadores, que estão longe de terem o talento de outros atletas da mesma posição que já vestiram a camisa da seleção, nos parecem apáticos, são figuras produzidas em série com o selo visual “jogador de futebol do século 21”.

A relação orgânica entre o torcedor e os boleiros que representavam nosso futebol foi muito prejudicada. Por mais que a Globo e parte da imprensa, além de todos os patrocinadores e suas horríveis e cafonas campanhas de marketing ufanistas, tentem massacrar o espaço público e simbólico do Brasil com uma propaganda patriótica, o torcedor brasileiro já não se entusiasma tanto com esse time e seus jogadores.

Muito disso se deve ao desgaste que esse próprio marketing imprimiu ao futebol brasileiro. As condições absurdas que cercam o esporte como negócio, a realização dessa Copa torta no país, a descaracterização e falência dos nossos grandes clubes e times e a ausência de grandes ídolos autênticos também contribuem muito para o desencanto. Ou alguém acha que se o Brasil perder a Copa de 2014 haverá a mesma comoção nacional que houve em 1950?

Estamos às vésperas do início do mundial e enfrentamos a realidade de uma seleção brasileira desimportante em uma Copa do Mundo totalmente equivocada.

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